1 INTRODUÇÃO
A Lei nº 14.181 de 2021 trouxe a figura do superendividado e seu tratamento perante o Poder Judiciário, o espírito da lei é fazer uma análise crítica da própria sociedade, principalmente focando no cenário socioeconômico do país.
A própria sociedade brasileira já nasceu e se constituiu com dívidas, sendo essa uma característica que também está presente em seu povo. A população brasileira enfrentou muita instabilidade econômica, vários períodos de crise, superinflação, endividamento, o que fez com que a convivência com dificuldades financeiras seja um dado comum na vida e cotidiano das pessoas e empresas.
Todas essas crises fez com que o comércio criasse facilidades de pagamento, com intuito de fomentar a economia do país, gerar consumo, empregos, rotatividade do capital e demais políticas públicas, sempre visando a acessibilidade da população ao consumo e até qualidade de vida, uma vez que dentre esse consumo se insere alimentos, bens de primeira necessidade como os que compõem uma residência, remédios e tratamentos, traz a população uma facilidade em adquirir estes bens de sua necessidade, como também a coloca em uma ariscada posição, além de trazer prejuízo às empresas que vendem seus produtos e não recebem o preço pactuado, tendo que arcarem com prejuízos.
2 O QUE É O SUPERENDIVIDAMENTO
Para a lei superendividado é pessoa natural, ou seja, pessoas jurídicas não estão amparadas pela lei, que está em manifesta impossibilidade de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas. É exigida a boa-fé deste consumidor ao fazer as dívidas. Logo, é aquela pessoa que tem toda a sua renda comprometida com o pagamento de dívidas.
Ressalte-se que as dívidas são aquelas decorrentes da relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada, ou seja, empréstimos, compras parceladas, cartões de crédito, contas de consumo básico, como contas de luz, de água, isto é, compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final.
Restou excluído da negociação as dívidas que tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, que sejam oriundas de contratos celebrados com a intenção dolosa do consumidor de não realizar o pagamento ou que decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
Uma problemática que foi encontrada na lei é que estipulou que seria garantido ao consumidor o mínimo existencial, sem, contudo, estipular o que seria este mínimo, não trazendo a lei parâmetros para se auferir esse montante. Há hoje uma grande discussão doutrinária a respeito da mensuração deste mínimo, já que em muitos casos o endividado recebe por mês valor maior que um salário-mínimo mensal, e consequentemente seus gastos mensais para sua subsistência e de sua família, ultrapassam em muito a margem do decreto.
Em razão disso muitos doutrinadores defendem a tese de que a mensuração para se auferir esses 25% (vinte e cinco por cento), deve ser analisada caso a caso, e analisando a renda específica do consumidor, usando como parâmetro seus rendimentos mensais.
Para tentar sanar essa discussão, foi editado novo decretado, em 19 de junho de 2023, de número 11.567, onde estipulou em seu artigo 3º o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) como o montante garantido para o mínimo existencial.
O objetivo do novo ordenamento jurídico é prevenir o aumento da chamada “bola de neve” com credores, o que exclui o consumidor da sociedade, muitas vezes o consumidor está tão endividado que recebe seu salário de manhã e no final do dia não dispõe de mais nenhum recurso, tendo que viver o resto mês apenas com crédito de cartão de crédito e de cheque especial, outros já estão com seu nome inscrito em cadastros de inadimplentes e não possuem mais linhas de créditos, chegando a passar necessidades.
3 PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 14.181/21
A principal inovação trazida pela lei é a possibilidade de negociação em bloco. Isto é, chama-se todos os credores do endividado, geralmente em uma audiência de conciliação e realiza-se uma negociação em bloco, visando o pagamento dos credores analisando-se como parâmetro as qualidades específicas do devedor, para garantir-se o mínimo existencial previsto em lei, bem como visando diminuir demandas judiciais, já que a recuperação do crédito deixa de ser individual, com cada uma das empresas credoras.
Vale ressaltar que este pedido de negociação não gera a declaração de insolvência civil do consumidor, a lei não busca a insolvência da pessoa física, e sim que as partes do contrato de consumo negociem e cheguem a uma solução para o pagamento dos créditos que seja boa para ambas as partes.
Trata-se de um pedido do devedor, que traz suas dívidas e propostas de pagamento global, essa ação não pode ser começada pelos credores, eles já têm regramentos de cobranças individuais.
Oportuno destacar que a lei previu sanções para os credores que não comparecerem nesta audiência de conciliação, como a suspensão do seu crédito, a adesão compulsória ao plano de pagamento ou a determinação de que só receberá seu crédito após o pagamento dos demais credores que compareceram no ato, entre outros.
A renegociação ou a novação da dívida na audiência prevista deve estabelecer, condutas para as empresas tomar, isto é, terão que fazer um esforço, uma escolha entre receber seu crédito, através das vias de direito, que na maioria das vezes não é satisfatório, já que vai apenas enforcar o consumidor, aniquilando de vez seu poder de compra, ou escolher em negociar, onde irá receber aos poucos, mas receberá.
As principais condutas são: 1- Medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida; 2- Referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso, para poder “limpar” o nome do consumidor e recomeçar; 3- A data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados de cadastros de inadimplentes, retirando-se o nome do consumidor dos cadastros para que sua reinclusão na sociedade e no mercado brasileiro possa acontecer; e 4- Condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem ao agravamento de sua situação de superendividado.
Logo, percebe-se que tanto os consumidores como as empresas terão que se adaptar a esta negociação global, trazendo ao procedimento reais tratativas de negociação, como também assumindo condutas ativas para o êxito do plano negociado e acordado. Não se trata mais de revisão de contratos, e sim de efetiva e individual negociação, considerando-se as peculiaridades do devedor e do credor.
4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CRÉDITO E O ESPÍRITO DA LEI
A nova norma jurídica realizou várias alterações no Código de Defesa do Consumidor, entre elas na política nacional das relações de consumo, visando a transparência e harmonia das relações de consumo, fomentando as ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores, a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, bem como que sejam instituídos mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural.
A legislação mencionada também estipulou como direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, a educação financeira e a prevenção e tratamento de situações de superendividamento, visando preservar o mínimo existencial do ser humano. Inclusive previu para que seja garantido este mínimo a revisão e repactuação de dívidas e na concessão do crédito.
Pela nova legislação as empresas que ofertam crédito passam a ser corresponsáveis pela concessão deste crédito, e, por isso, estão proibidas, de prometer crédito sem a consulta a serviços de proteção ao crédito, bem como deverão comprovar que realizaram esta consulta, caso sejam demandados judicialmente. Também, foi prevista a vedação da prática de assediar ou pressionar o consumidor a contratar crédito, como por exemplo a oferta de 10% de desconto na primeira compra, muito comum em grandes lojas de varejo.
5 Como a mediação pode ajudar no tratamento ao supernedividado
O consumidor superendividado pode solicitar a renegociação em bloco das dívidas, onde será realizada uma conciliação com todos os credores para a elaboração de um plano de pagamentos que caiba no seu orçamento.
A vantagem desta negociação em bloco é que o consumidor terá a chance de renegociar todas as suas dívidas ao mesmo tempo, o que diferencia e muito dos mutirões para saldar dívidas, uma a uma, com os feirões “limpa nome” que as grandes empresas e bancos utilizam.
Na negociação feita através do procedimento de mediação visa-se a continuidade do relacionamento entre as partes, isto é, a continuidade da relação entre fornecedor de crédito e consumidor, com a manutenção do contrato, apenas readequando-o às condições de pagamento segundo os interesses daquele endividado consumidor específico.
Aqui busca-se uma negociação e readequação das contratações de forma consciente, tanto para o credor como para o devedor, para que não ocorra o estrangulamento do devedor, com a imposição de mais juros, aumentando ainda mais a dívida, e fazendo com que este passe de consumidor para litigante no futuro, por não ter condições de adimplir com o que foi negociado.
Na mediação busca-se acordos que são passíveis de cumprimento, e não apenas dilação de prazos de pagamento, para que o consumidor possa efetivamente pagar suas dívidas e sair da condição de endividado.
A mediação é uma forma de solução extrajudicial de conflitos, é um processo voluntário que oferece àqueles que estão vivenciando uma situação conflituosa a oportunidade e o espaço adequados para conseguir buscar uma solução que atenda a todos os interesses de todos os envolvidos. É um método que busca aproximar as partes, para que elas negociem diretamente a solução desejada de sua divergência. A mediação traz o protagonismo das partes, uma vez que mantém o poder decisório com as próprias partes conflitantes.
Uma compreensão adequada do conflito pode transformá-lo em uma oportunidade de transformação, tanto para o devedor superendividado, como para a empresa credora no seu modo de suas políticas de oferta de crédito, e inclusive sob diversas perspectivas para a retomada do diálogo que possa ter sido bloqueado, também essa oportunidade pode ser usada para a realização de ajustes necessários à retomada de relações construtivas, para a identificação de soluções criativas, para maior e melhor compreensão da realidade.
Por fim, há de se destacar que a nova legislação não obsta a elaboração de planos voluntários no âmbito das negociações particulares, através de mediações extrajudiciais, sem a necessidade de submissão ao poder judiciário, com a formação de título extrajudicial.
6 consideraçÕES FINAIS
As negociações em bloco podem resultar em acordos com todos os credores e instituições que o consumidor deva alguma quantia, conseguindo pagar o conjunto das suas dívidas com a sua fonte única de renda. Aqui, em caso de sucesso no acordo, acaba o tormento psicológico do consumidor em pagar uma dívida e faltar dinheiro para pagar as demais.
Por isso que a mediação no tratamento do superendividado é altamente recomendável, já que é uma oportunidade que o legislador deu para as partes envolvidas, de voluntariamente revisar e renegociar, dentre de seus interesses e posições, sem ter que se submeter a decisão de um terceiro (Estado-juiz), e visando a função social do contrato de crédito, bem como que as empresas atentem-se a sua função social empresarial, ajudando a reestruturar o mercado de consumo para uma mercado consciente do consumo. O sucesso da recuperação do consumidor endividado depende da participação das empresas credoras, o que evitará o endividamento dos consumidores, bem como de disputas entre estes e as empresas.
REFERÊNCIAS
1- BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Presidência da República Secretaria – Geral Subchefia para Assuntos Jurídicos. Altera a lei nº 8.070, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
2- BRASIL. Decreto nº 11.567 de 19 de junho de 2023. Presidência da República Secretaria- Geral Subchefia para Assuntos Jurídicos. Altera o Decreto nº 11.150, de 26b de julho de 2022, que regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990- Código de Defesa do Consumidor, e dispõe sobre mutirões para a repactuação de dívidas para a prevenção e o tratamento do superendividamento por dívidas de consumo.
3- BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS:
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